Neste encontro eu tive função específica, fui o comentador. A apresentação foi do Leandro Haik. Então, como preferi fazer uma apresentação das conexões que estabeleci no contato com a fala da Maria Lúcia Pupo, O Pós-Dramático e a Pedagogia Teatral, coloco aqui o que apresentei lá:
COMENTÁRIOS
Antes de entrar no tema é preciso conectar um pouco com o conceito de teatro pós-dramático.
Pincei alguns trechos do Benedito Nunes ao tratar do tempo na narrativa, porque acredito que o Lehmann, conceituador do teatro pós-dramático, vai num raciocínio semelhante quando desconsidera o teatro épico como ruptura. E porque entendo que o tempo é uma particula pouco necessária no pós-dramático.
"O épico e o dramático se aproximam do ponto de vista do tempo, por que ambos, dentro da diferença modal que os distingue, nos colocam sempre diante de eventos, relativamente aos quais, como agentes ou pacientes, os personagens da obra se situam. Esse teor objetivo, que lhes é comum, separa-os da lírica, inconcebível sem a tonalidade afetiva, que incorpora as vivências de um Eu ; e sem o ritmo, que incorpora as vivências ao livre jogo das significações, graças ao qual se opera o retorno reflexivo da linguagem sobre si mesma."
(Benedito Nunes, O Tempo na Narrativa)
"No dramático e no épico, o tempo vem normalmente associado à “fluidez da corrente da ação” , sendo portanto, inseparável dos acontecimentos que o preenchem."
(Idem)
O Teatro pós-dramático
"Dramático, para Lehmann, é todo teatro baseado num texto com fábula, em que a cena teatral serve de suporte a um mundo ficcional.... Com esse conceito de drama que reúne Eurípedes, Molière, Ibsen e Brecht, o teatro épico não poderia ser considerado um salto, porque nele os deslocamentos da dinâmica interpessoal – por meio de coros, apartes, narrativas, etc. – não chegariam a subverter a vivência ficcional."
(Sérgio de Carvalho, Apresentação do livro “Teatro pós-dramático” de Hans-Thies Lehmann)
"O teatro pós- dramático é essencialmente (mas não exclussivamente) ligado ao campo teatral experimental e disposto a correr riscos artísticos. (...) Na ênfase em formas teatrais experimentais não está implicando um juízo de qualidade: trata-se da análise de uma idéia de teatro diferenciado, não da apreciação de empreendimentos artísticos individuais. (...)Trata-se aqui de um teatro especialmente arriscado, porque rompe as com muitas convenções. Os textos não correspondem as espectativas com quais as pessoas costumam encarar textos dramáticos. Muitas vezes é difícil até mesmo descobrir um sentido, um significado coerente da representação. As imagens não são ilustrações de uma fábula. Esse trabalho teatral é essencialmente experimental, persistindo na busca de novas combinações ou junções de modos de trabalho, instituições, lugares, estruturas e pessoas."
(Teatro Pós-Dramático, Hans-Thies Lehmann)
Aí eu ousadamente faço uma tentativa de tornar didática a apresentação de algumas características do teatro pós-dramático, sem no entanto acreditar que elas caracterizem uma obra como tal, mas dão pistas de um possível enquadramento.
Divido assim:
A narrativa
- O Pós-dramático transgride os gêneros.
- Perspectivas para além do drama.
- A medição do sentido não é prioritária.
- Não há fábula ou é relegada a um 2º plano.
- Nega-se a mimese.
A encenação
- O acontecimento cênico é pura presentificação do teatro
- A recusa da síntese
- Abundância simultânea de signos (espelho da confusão da experiência real cotidiana), cuja fratura pode se alargar até a ausência total de relação entre eles.
- Evidencia o não acabamento da percepção
- Teatro afirmado mais enquanto processo do que como resultado acabado.
- O caráter fragmentado é tornado consciente
O ator
- Recusa a personificação.
- Não conta através de gestos tal ou tal emoção, mas se manifesta por sua presença, que se inscreve na história coletiva.
- Como um performer, se manifesta em seu próprio nome, encena seu próprio eu.
A platéia
- Uma transformação da percepção da platéia é convocada. O desconforto da cena pós-dramática, muitas vezes aparente no espectador, acarreta potencial para emergir interrogações.
- O espectador vê a irrupção do real no jogo e seu estado estável de espectador questionado “enquanto comportamento social inocente e não problemático” . Uma mudança de atitude radical é solicitada. Ele tem que tecer relações, criar elos, assim, alargar percepções.
Conexão com a cena (da minha função específica de comentador)
Talvez o espetáculo (que eu tenha visto) que mais chegue perto a uma estrutura pós-dramática seja o “Sombra a L’ombre”, Nando Lima, 1995. (Houve um espetáculo semelhante em 2002, também do Nando, o “Leve Barato”)
Gera uma compreensão para além do drama. Não há fábula. Muitos elementos compõem a encenação e não há uma narrativa conjunta – quando narram, o fazem concomitantemente, sem uma conexão lógica e/ou cronológica. Há uma abundância de signos, sem hierarquização de imagens ou de qualquer elemento. Mesmo o ator, muito presente, é apenas sombra.
O que ocorre é um compartilhamento da experiência cênica com o expectador, que sai sem respostas ás muitas conexões subjetivas a que é submetido (se estiver disposto), sai com sensações comparativas das suas próprias experiências. O processo do ato, a produção da ação, é o que é visto. A platéia é levada, é solicitada, a uma nova percepção do fazer teatro.
Porém, não tenho certeza da categorização no pós-dramático, talvez boa parte da obra do Nando Lima esteja nesse gênero. Poderia citar algumas obras do grupo Cena Aberta, dirigido por Luiz Otávio Barata, pela ruptura com a fábula, o trabalho com não atores, relação profunda com a platéia, mas que também não teria certeza.
Sobre o Texto de Maria Lúcia Pupo
Ela levanta alguns questionamentos sobre a maneira como elabora uma pedagogia para o teatro pós-dramático:
- Haveria procedimentos específicos que chegassem a configurar a pedagogia para uma cena pós-dramática?
- Ao professor (educador (?) teatral, pedagogo teatral (?)) é solicitado a capacidade de leitura da cena pós-dramática, para a disponibilidade de uma nova percepção. Condição indispensável, essa de percepção ampliada, ao coordenador de processos de aprendizagem teatral.
Aí está o primeiro aspecto da confluência Pós-dramático/pedagogia teatral, que é no que o espectador desse teatro precisa ter como ferramenta, a ampliação da percepção. Talvez seja nisso que a pedagogia teatral precise se basear para tratar do pós-dramático
- Caberia, então, recortar, dentro das reflexões sistematizadas sobre a aprendizagem artística, uma pedagogia, ou mesmo uma didática específica que viesse a dar conta do fenômeno pós-dramático?
Não creio. Não há fórmula, há processo.
O processo de construção do Eu-Mundo pode ter sido uma aplicação do Teatro pós-dramático à pedagogia teatral. Ou uma maneira didática de fazer compreender o pós-dramático num processo pedagógico, desde a primeira solicitação da Wlad de nos mantermos atentos, numa escuta de todos os sentidos, sendo ao mesmo tempo aluno-participante, disposto a se fazer presente na aula como no jogo, disposto a lançar-se ao experimento-aula, e, ao mesmo tempo, observador crítico de si, do outro (aluno, jogador, professora, expositor), do todo.
Adiante, de posse de informações aparentemente isoladas, prescritas nos textos apresentados nos seminários, com devida conexão com a produção cênica local e debate aberto para toda e qualquer conexão relacionada, o conteúdo abrange aspectos diversos do conhecimento da abordagem teatral, da leitura às múltiplas concepções artística, da percepção do espectador à criação do personagem. Tudo isso, subjetivamente inserido nos exercícios do eu-mundo. Tudo posto de maneira a cruzarem-se as experiências sensoriais da formação do conhecimento corporal, necessariamente entremeados de elaborações psíquicas, de cada um que atua (nós, alunos) com o desafio proposto de sua transmissão em formato teatral, sem a obrigação da fabulação, resultados ao disparo da encenação no sábado, 19.
Então, entendo que o “Eu-Mundo”, a apresentação, está relacionado à estrutura pós-dramática empregada no ato das performances ocorrendo concomitantes. Ainda que eventualmente, um ou outro, tenha colocado uma cronologia, um enredo, uma fábula, na sua encenação, ao passo que se realizam ao mesmo tempo, configuraram uma narrativa sem encadeamento, a não ser o proposto pela subjetividade de quem assistiu. O espectador foi colocado num espaço teatral rompido, cujas linhas fronteiriças estvam estabelecidas em desacordo e cada novo código posto em cena poderia desfazer o anterior. Apenas ele, convocado a dispor das suas próprias experiências, foi senhor de uma lógica - ou foi levado pelos estímulos das encenações (sons, luz, textos, imagens), associando-as a partir deles, ou a construiu aleatoriamente, por qualquer outro critério – cujas correspondências foram atribuídas pela necessidade de uma organização sensorial.
Para acabar, cito a Pupo, que na verdade, pelo que entendi, traduz o que eu disse acima:
"... aquilo que muitas vezes é vivido como simples exercício ou imprecisa experimentação traz em si o germe de modalidades estéticas, qualificáveis como manifestações de um teatro pós-dramático."
(Maria Lúcia de Souza Barros Pupo; O pós-dramático e a pedagogia teatral. p.227.)
ps.: as imagens são dos espetáculos citados. Tem mais no espacelive do Nando. É só linkar (verbo novo)!
Paulo , estou fazendo uma nova performance: incidental, ainda em fase de ensaios, queria muito que vc fosse assistir.... vou tentar marcar contigo.
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