terça-feira, 18 de maio de 2010

Em constante pesquisa de soluções provisórias (7º Encontro - Trajetórias do Ser)

Eis o momento em que me deparei com o (talvez) objetivo deste curso. Está em formação a ciência de ser um artista formador. Sou ator, mas sou também educador e, assim, formador. Talvez esse seja o impulso para estar nessa trajetória, ou nesse trecho da minha trajetória.
Há muito, teatro deixou de ser apenas teatro para mim. Vou ao passo do ponto em que primeiro preciso me formar para fazer teatro e isso inclui vários saberes, práticos, como essencial, mas teóricos, como vestimentas. A prática é a do dia-a-dia de trabalhador de teatro, artísta operário, que vive, se sustenta, sustenta os filhos, desse labor. Mas do antes disso, quando era mera diversão, depois passa tempo terapeutico, depois bico divertido. Depois, que segue até agora, o trabalho que tomou conta da vida. O teórico é o tudo que de lá até aqui precisei absorver de leituras e de escritas. Das inúmeras pesquisas de personagens. Dos livros dos pensadores do teatro mundial. Das investigações a cerca da prática realizada. Dos escritos de elaborações e processamentos críticos do intelecto que não para de pensar nisso. Das oficinas ministradas e absorvidas, como aluno ou como ministrante.
Daí à percepção da necessidade da arte para o ser humano. Como artísta trabalhador, acredito no meu fazer como transformador social, nunca desacoplado do caráter educativo, que tem que estar presente em todo o tecido da criação da obra, incluindo a relação com a platéia e o que se quer disso. É no jogo, espírito e carne do teatro, que a formação, o educativo, precisa se mostrar. No jogo da cena é que os papeis vão ser definidos, as relações vão acontecer, o drama vai sacudir a experiência, a trama vai ser destrinchada. Jogo que não exclui a platéia como mais um jogador.
Mas aqui o assunto extrapola a apresentação teatral e a platéia, ou desloca-os das formalidades do ato teatral, dos palcos instituídos, cadeiras, arquibancadas, dos teatros, para salas de aula, ambientes de empresas, ruas (e outras alternativas) como espaço pedagógico. O jogo teatral, ou as suas virtudes, que se faz nescessário aos campos das atividades humanas. Ao professor, ao padre, ao juiz, ao médico, ao vendendor, etc. Jogos teatrais para não-teatreiros. Ou simplesmente o jogo, não a disputa, o jogo.
O jogo e sua estrutura. As regras, os objetivos, as demandas, os jogadores, os acessórios (instrumentos/ferramentas, vestimentas), as possibilidades de jogadas, as maneiras de realizar, as variações/desdobramentos ditados pela necessidade do próprio jogo. 
Fui cair aí porque, de fato, ao me deparar com a necessidade do jogo para o ser humano, entendo mais ainda a importância do teatro para os indivíduos em situações de sociedade.
Bem...esse foi o dia em que o Maurício apresentou o tema e o Ramon comentou, tudo foi acontecendo concomitantemente. Quer dizer, no início o Maurício foi apresentando, e, no decorrer, o Ramon solicitou o comentário concomitante.
Mas.... precisei sair bem no momento em que achava que estava terminando essa parte do encontro. Fui chamado para uma força-tarefa de combate à virose que atacava uma das minhas filhas....Claro que fui.
Sei que depois, depois me contaram, houve a continuação da contação de causos fantásticos e ocultos, acontecidos no seio das famílias... é o que me foi dito.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

El Avaro de Molière (Cía. Tàbola Rassa) - Objeto como sujeito II

Objeto como sujeito (6º Encontro - Trajetórias do Ser)

Foi a idéia de uma luz viva que me chamou. A luz da lâmpada, da lâmpada à óleo. Ela tem vida por uma relação direta e permanente com determinado sujeito, com determinada pessoa, por acompanhá-lo pelos cômodos da casa. Mas também por ter movimento, por alterar o ambiente, por consumir oxigênio, por precisar ser alimentada para existir. Muito diferente da luz da lâmpada elétrica, que é do ambiente, não do sujeito.
Mas mudando da luz para a lâmpada, ou atribuindo-lhe a propriedade da luz, a posse dela, afinal é ao objeto que o apego vai se constituir, ainda que seja a sua luz o apelo afetivo. Podemos, então, compará-la (a lâmpada) a qualquer objeto. Por acompanhar e ser importante para tal pessoa, o objeto ganha contornos de uma companhia, vira íntimo. A cadeira, o travesseiro, o porta documentos, a bolsa, os óculos, a pulseira, o bicho de pelúcia. Importante porque tem valores agregados, não apenas materiais, mas camadas visíveis apenas para quem de direito. Estratos de afetos e memórias, claro, obscuros ao olhar leigo do estranho.Talvez o tempo de "vida" do objeto valoroso o qualifique ainda mais, vestindo-o de relíquia para além do seu próprio dono.
A coisice, a objetice, a utensilidade, talvez palavras semelhantes - não sinônimas, não acho que sinônimos existem, elas são individuais como as pessoas. Em determinado momento uma pessoa pode se parecer com outra, servir para exemplificar ou comparar a outra, pode até, com treino, significar a outra, mas nunca será ou dirá o que a outra é ou diz. Objetos também são individuais se têm relação com a pessoa, mesmo os feito em série - algumas inventadas para dizer que a utilidade vai além do seu uso, vai ao nível da personificação. Ou, para designar o quê do objeto pode compor o/um sujeto. Ou, se tal objeto fosse um sujeito que traços de personalidade lhe seria atribuído, que comportamento ele teria, qual seu cotidiano. Ou para determinar o quanto de subjetividade foi-lhe atribuido pelo seu uso. Ana Maria Amaral, pensadora do teatro de formas animadas, se utiliza disso para trabalhar a animação de objetos em cena aplicando-lhes os seus atributos como traços da sua personalidade.
Renan usou uma apresentação do power point para expor o tema. Achei que foi mera reprodução do texto, com a composição de uma sequência de slides com imagens de fundo que por vezes atraplharam o que deveria ser a atenção da lâmina. Adhara, não foi direto ao assunto, contextualizou angustias próprias para mostrar objetos de um espetáculo que havia participado, levando-me na memória aos objetos das cenas que eu mesmo estive em espetáculos bem pautados em objetos, como as malas, flores, cartas, aquários, guarda-chuvas das obras da Cia Atores Contemporâneos.
Para seguir, fomos ao ponto das atividades que visam desdobrametos. A de hoje foi um desdobramento da atividade do encontro anterior. Foi proposto apenas que as pessoas contasem, em suas duplas/casais (no meu caso, um trio), causos acontecidos na família que tenham uma caráter fantástico, no sentido do oculto, do sobrenatural. Ives/Laion, Devison/Patrícia, Felipe/Kátia foram os que depois foram convocados pela Wlad para contarem seus causos para todos. Por fim, cada um dos que assistiram apontou os trechos/imagens de cada história que mais lhe chamou atenção.
Não deu tempo de um bom bate papo.

domingo, 2 de maio de 2010

A memória como matéria para o Eu-mundo (5º Encontro - Trajetórias do Ser)


Cheiro inevitavelmente espaços, tempos, pessoas e coisas. Cheiro filmes, no cinema e na tv, mesmo os piratas e os sobre piratas, cheiro até desenho animado. Quem não lembra do cheiro do Jamal caindo dentro da privada a céu aberto em "Quem Quer Ser Milionário?" Teatro, então, se os produtores, diretores de peças, atores e atrizes, cenógrafos, dramaturgos e dramaturgues, figurinistas, maquiadores, camareiras, iluminadoras, se esses não se preocuparem com o cheiro que vai compor a dramaturgia, sinto os ácaros das rotundas e das infiltrações ou a água sanitária do pano molhado que foi usado pra tentar tirar os ácaros. Os ácaros e a água sanitária me incomodam.
A Carmem Manito disse - e apesar da voz um pouco mirrada que ela tem, disse bem e mostrou bem o tema proposto - dizendo que foi a Lúcia Santaella que disse primeiro (e eu vi mesmo que foi ela), que os cheiros, inclusive o dos ácaros e da água sanitária, por serem agentes químicos, atingem um tipo de neurônio que só registra para a posteridade uma vaga lembrança da situação em que o cheiro estava inserido e essa vaga lembrança é, na verdade, uma memória afetiva, não imagética, ligada a algum prazer ou desprazer vivido. Por mais que eu reconheça o cheiro dos ácaros e imediatamente detecte que eles estão se divertindo, pulando, gritando, voando em minha volta, isso tudo é apenas um remetimento a alguma sensação afetiva vivida, provavelmente desagradável, um desprazer. O desagradável também é por conta da reação física que ele me provoca: coça o mais profundo do meu ser nasal, e quanto mais eu imagino que eles (ácaros) estão entrando nas minhas vias respiratórias, mais eloquente e dolorosa é a reação.
Para não ir adiante no assunto dos ácaros dos teatros e tornar desagradével a memória do cheiro do almoço que estou tendo o prazer de sentir agora, vou adiante no acontecido. Marcou-me a informação de que o sentido olfativo é o que mais se compara a sensações e lembranças infantis exatamente por estar relacionado aos afetos. De cheiros, lembro principalmente fases da vida. Longe, na minha pequena longa infância, o quintal de casa molhado, os cachorrorrinhos recém-nascidos, o vento do Rio de Janeiro, o pão doce da merenda da escola, a cozinha e o poço da casa da minha bisavó, a minha outra bisa depois do banho. Mais perto um pouco, amores passados, nas ruas, nos sofás, beijos longos, a chuva na Prça Batista Campos, as salas de ensaio com muita disposição e descobertas, muito cigarro, meus bebês, pom-pom e leitinho. Bem pertinho, momentos mais íntimos, cama com filme no fim de semana, café no fim da tarde, a chuva em Santa Catarina, a empada de São Paulo, a feira de Caruarú, as ruas de Salvador, momentos de Brasília, estradas de terra e beiras de rio, o Casarão do Boneco, minha filhas. Tudo são cheiros, mas são sabores, visões, sensações térmicas.
Mas o João Guilherme, que teve que juntar o apelo afetivo do cheiro ao teatro, fez questão de me levar direto ao final dos anos 80 e início dos 90. Nossa! Uma enxurrada de memórias afetivas, prazerosas e não, derramou imagens enevoadas que aos poucos foram tomando cores e contornos nítidos ao meu sentido áptico. Ele trouxe "O Genet, o Palhaço de Deus" e "Em Nome do Amor", da época em que me entregava totalmente ao ser ator, me destruia e recontruia a cada nova montagem.
Nesse papo de juntar cheiro e teatro, lemramos de peças que nem tinham o cheiro, mas a imagem deste era o suficiente para que ele existisse. Como o cheiro de banheiro público em "Dama da Noite" ou do pastelão quentinho em "Farças Medievais".
Mas falei do sentido áptico lá em cima e nem disse nada sobre ele. Saber dele, como novidade pra mim, também foi marcante. O sentido que vai além, é um sistema. Se pensarmos nos sentidos como sistemas e compreendermos a complexidade de cada um, poderemos buscar em nós mesmo que sensações temos quando juntamos os sentidos. Mais ainda quando percebemos a importância deles para a memória. O áptico, que junta todas as sensações táteis do nosso maior órgão, mesmo as internas, e é completado com o que de cada um dos outros sentidos leva ao tato e, disso, à memória, é talvez o nosso principal registrador e catalogador de sensações.
Na sequência do esquema dos encontros/aulas, a proposta, chamada de Eu-mundo, colocou espontaneamente dois casais formados nas aulas anteriores para uma ativação da memória afetiva e fantástica. Um dos dois do casal conversaria com alguém real, que lá estava representado por uma cadeira vazia, um assunto que sempre quis e não teve oportunidade de realizar (ainda ou nunca mais terá). O outro contaria uma história fantástica, relacionada a assuntos ocultos, acontecida no âmbito da família.
Os dois casais, um de cada vez, passaram por momentos que remeteram á função terapeutica do teatro. Uma espécie de desabafo, no papo e na história contada, foi o que apareceu corajosamente, posto com muita emoção por nossos colegas de trajetória. A fala para o amor terminado, o nuca mais dito ao parente mais amado pela ausência inevitável imposta pelo fim da vida, levou todos que assistiam para os seus próprios amores terminados e aos seu mortos cuja palavra nunca mais será ouvida. Alguém que se foi, mas que ainda está ali. A respiração de quem conta dá a dica da profundidade e distância do registro da memória. Teminou com abraços entre os casais, aquele abraço da aula anterior. Exercício de caráter teatral de resgate das memórias como matéria prima para composição artística.
É preciso dizer que mesmo que o comando não tenha sido observado na sua completude,  pelo fato de a matéria posta ser rica, a condução permitiu que se seguisse. Explico: nenhum dos participantes resposáveis por contar algo do universo fantástico e oculto o fez. Quer dizer, isso depende um pouco da interpreação de quem estava vendo, mas, à rigor, ninguém foi nesse rumo.