Psicologias para o teatro


Para disciplina  Tópicos Especiais da Psicologia para o Teatro, ministrado por Rosely Risuenho.


O Exercício

Com base no capítulo “A Abordagem Psicológica e Psicanalítica” do livro “A Análise do Espetáculo: Teatro, Mímica, Dança, Dança-teatro, Cinema”, do Patrice Pavis, buscarei analisar não um espetáculo, mas o resultado cênico da disciplina “Trajetórias do Ser”, ministrada pala Profrª.Drª. Wlad Lima neste semestre à turma de 2010 do Curso de Licenciatura Plena em Teatro, esta da qual faço parte, chamado em sala de aula de Eu-Mundo e apresentado no dia 19 de junho, concomitantemente por todos os alunos, em duas salas da ETDUFPA.
Compreendi que o processo de construção deste resultado pode ter sido uma aplicação do Teatro pós-dramático à pedagogia teatral – conforme mencionei na apresentação em sala de aula e no blog-diário da mesma disciplina (http://teatrocomotrajeto.blogspot.com/). Ou uma maneira didática de fazer compreender o pós-dramático num processo pedagógico, desde a primeira solicitação de se manter atento, numa escuta de todos os sentidos, sendo ao mesmo tempo aluno-participante, disposto a se fazer presente na aula como no jogo, disposto a lançar-se ao experimento-aula, e, ao mesmo tempo, observador crítico de si, do outro (aluno, jogador, professora, expositor), do todo.
Acredito que, como participante ativo do processo de criação, observação e montagem, e depois, como ator e espectador do trabalho dos outros alunos e da platéia presente, talvez não consiga analisar apenas como espectador, ou como espectador mais atento, de acordo com o que sugere Pavis no capítulo em questão.
Adiante, de posse de informações aparentemente isoladas, prescritas nos textos apresentados nos seminários da disciplina Trajetórias do Ser, com devida conexão com a produção cênica local e debate aberto para toda e qualquer conexão relacionada, o conteúdo abrangia aspectos diversos do conhecimento da abordagem teatral, da leitura às múltiplas concepções artísticas, da percepção do espectador à criação do personagem. Tudo isso, subjetivamente inserido nos exercícios para o Eu-mundo. Tudo posto de maneira a cruzarem-se as experiências sensoriais da formação do conhecimento corporal, necessariamente entremeados de elaborações e processos psíquicos de cada um que atuou (nós, alunos), com o desafio proposto de sua transmissão em formato teatral, sem a obrigação da fabulação e sem tempo de ensaios.
Então, entendo que o “Eu-Mundo”, a apresentação, está relacionado à estrutura pós-dramática empregada no ato das performances ocorrendo concomitantes. Ainda que eventualmente, um ou outro, tenha colocado uma cronologia, um enredo, uma fábula, na sua encenação, ao passo que se realizam ao mesmo tempo, configuraram uma narrativa sem encadeamento, a não ser o proposto pela subjetividade de quem assistiu. O espectador foi colocado num espaço teatral rompido, cujas linhas fronteiriças estavam estabelecidas em desacordo e cada novo código posto em cena poderia desfazer o anterior. Apenas ele (espectador), convocado a dispor das suas próprias experiências, foi senhor de uma lógica - ou foi levado pelos estímulos das encenações (sons, luz, textos, imagens), associando-as a partir deles, ou a construiu aleatoriamente, por qualquer outro critério – cujas correspondências foram atribuídas pela necessidade de uma organização sensorial.
Ao passo que adentrava em uma das salas de apresentação (salas de aula), o que se via era um todo desorganizado e ainda que verificasse de imediato que se tratava de uma superposição (ou justaposição) de vários depoimentos cênicos, o espectador não foi chamado a uma focalização, não houve uma condução do olhar. Os vetores, que numa obra teatral mais comum (termo colocado apenas para diferenciar da maneira que é mais vista e produzida) vão se desenhando para indicar a lógica da leitura, ou possíveis lógicas, lá indicavam que cada parte era em si (e elas sim) carregada de seus próprios vetores. Os significantes, individualmente reconhecidos, que poderiam indicar um vetor principal ao espectador, só foram, de fato, determinados por ele. Cada um identificou sua própria condução. Identificá-la pressupôs envolvimento, participação ativa em uma obra teatral que o cercava. Para assisti-la era preciso que, literalmente, entrasse nela. Talvez, possa incluir essa como mais uma característica da obra pós-dramática.
Assim, ao identificar seu percurso, o espectador, envolvido na obra, estava entregue a uma enxurrada de estímulos aleatórios e concomitantes e atores, com personagens (ou não), agindo ao mesmo tempo, cada um numa narrativa própria. O movimento de identificar-se ou não possivelmente conduziu o espectador pelas salas. Sem riscos a correr, esteve com um menu de possibilidades de identificações para aproximar-se ou afastar-se.
Como foram cerca de 20 cenas, cada uma com cenário, adereços, sonoplastia, texto, dramaturgia (?), ator ou atriz, diferentes entre si, mas com momentos que se entrecruzavam, várias maneiras de identificações por parte do espectador e até de outros atores foram passíveis de serem observadas. Do medo, da loucura, da paixão, do erótico, da criação, do cômico, etc., muitos sentimentos e emoções foram expostos para a fruição de quem se propôs a entrar nas salas. Se não parecia uma obra teatral comum o limite entre ficção e não-ficção estavam postos para a percepção sinestésica de quem quer que ali estivesse como espectador, cuja base clara foi a relação física, direta e muito próxima com os atores. A própria postura imposta ao espectador de ter de caminhar por entre as cenas acontecendo, o colocava como peça do todo, por quem acabasse de entrar na sala, deslocando-o num primeiro olhar da figura de espectador. Ele mesmo, assim, entregue à sua própria atuação (a de caminhar e olhar os outros), poderia ser confundido com outro ator em sua cena e sofrer às análises dos que chegavam. Dessa feita, impactando com seu corpo em ação as cenas dos outros atores, passível também de identificação por parte de outros espectadores ou como mera apreciação estética.
Lembrando que as cenas ali apresentadas foram resultados individuais dentro de um processo coletivo de apreensão de conteúdos, debates e conexões com as histórias pessoais, conduzidas no rumo de uma perspectiva do profissional de teatro (artista ou professor). Composições emergidas de um conteúdo psíquico pessoal, cuja referência principal manifesta fora outra obra, um roteiro-objeto, exposta como parte do cenário de cada encenação. Porém, também sendo as cenas frutos de experiências coletivas conjuntas em sala de aula, se viu elementos, que repetidos em uma ou outra apresentação, traçavam aleatoriamente significados à obra toda para além de cada parte que se via. Um pequeno texto poderia remeter a uma das encenações já vista. Uma imagem colocada numa cena poderia conduzir a movimentação do ator da outra cena. Essa simples acumulação de elementos semelhantes ou opostos, aleatoriamente posicionados na espontaneidade do tempo das encenações separadas (elas não tinham uma duração definida), indicava a possibilidade da existência de uma linha condutora.
Aquela teia de significados que cada espectador costurou com suas próprias referências, saídas das suas marcas propulsoras de sensações (seus contextos sociais, histórias de vida, vivências, maturidade biológica, recalques, etc.) foi tecida de uma inspiração coberta de simbolismos do inconsciente de cada ator, de suas relações para com o meio e as pessoas que o compõem, vivências culturais, suas possibilidades físicas. No entanto, nesta obra, erguida uma única vez, sem pré-experimentações com aquele grupo de atores e nem posterior amadurecimento, todos foram sujeitos. Responsáveis diretos por fazer acontecer, sabendo disso ou não, sentindo-se mero espectador ou impactado pelo outro, uma experiência reflexiva de si e de muitas manifestações psicossociais relacionadas.