quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Neutralidade e o Nível Pré-expressivo no Teatro Com Bonecos (um pequeno ensaio)

Esta pesquisa, inserida numa investigação mais ampla sobre a maneira de atuar dos atores-manipuladores do In Bust Teatro Com Bonecos, na perspectiva de que realizam uma maneira própria de atuação no gênero em que desenvolvem sua poética, pretende compreender o estado de neutralidade do ator neste teatro Com bonecos realizado pelo grupo, sob a luz do conceito de Corpo Fictício, proposto por Eugênio Barba. Nível pré-expressivo de atuação, numa transformação intermediária entre o corpo cotidiano e o corpo imaginário do personagem.


Das Maneiras de Atuar

Se o teatro com bonecos, inserido no campo das artes dramáticas (afinal é teatro), deve cumprir regras de um jogo cênico, quem conduz o jogo, o atuador na função de intérprete, que emprega vida aos personagens, mesmo que sejam objetos, é ator. É ator porque representa um personagem, ainda que esse personagem seja ele mesmo, o ator, ou o manipulador. Não será um ele cotidiano, mas um ele elaborado para aquele momento, quase como um performer ou como o ator no teatro de Tadeuzs Kantor[1], que confunde as noções de ator e personagem, sendo o ator ele mesmo no palco. Nas encenações do grupo In Bust, o personagem do ator é construído a partir do ator, compondo-se aí às linhas de características propostas para o personagem vindas das necessidades da dramaturgia.
Não é mais manipulador apenas, como no teatro de bonecos mais homogêneo. Mas também não mais ator apenas, pois atua com bonecos. Sem ainda ter encontrado diferenças nos termos ANIMADOR e MANIPULADOR (agregada a palavra ATOR), lembro que o verbo manipular significa “trabalhar com as mãos”. Se chamo o atuador do In Bust de ATOR, prefiro agregar este termo ao termo MANIPULADOR. No In Bust, a ilusão de vida, a ânima, não é a primeira preocupação do grupo na encenação. Essa propriedade de “emprestar” vida ao boneco vem da habilidade manual desse atuador.
           Fica: ATOR-MANIPULADOR, o atuador que está em cena como personagem e como manipulador de bonecos, dividindo o suporte privilegiado da cena. A função, que não é a do ator e não é a do manipulador, que extrapola a atuação ou a manifestação de um personagem através do ator, presente na cena, contracenando com outros atores. Que também extrapola o manifestar-se através de um objeto, mesmo que, como manipulador, o atuador esteja presente (visível). A função que junta essas duas maneiras de atuar, que pode se traduzir pelo personagem do ator e o personagem do boneco (objeto), que estão em cena juntos e que “dependem” um do outro.


Como joga o ator-manipulador?

Mas estar em cena, nesse teatro com bonecos, vai além do fazer o boneco se mexer e estar visível ao público. Essa relação, rica em possibilidades, exige do ator-manipulador maneiras específicas de se portar em cena, de acordo com o que se quer dessa relação, com exigências técnicas para que a competição entre boneco e ator, se houver, seja fruto da dramaturgia.
Sigo falando de funções e me deparo com o questionamento de Henryk Jurckowski[2] que pergunta: Como este ator deve jogar? E busca observações do tcheco Erik Kolar para ampliar ou enriquecer suas reflexões, quando este fala da dispersão da atenção a que este jogador é submetido. De fato, hoje no In Bust, percebe-se que o atuador precisa estar atento a si, ao seu personagem, ao outro atuador, aos bonecos (seus e dos outros), aos objetos referentes a cada universo (do ator e do boneco, de acordo com a dramaturgia), ao espaço cênico compartilhado por todos os elementos, à platéia.
Esse excesso de atenção, ou essa distribuição da atenção, exigida ao atuador no teatro de animação, não significa tensão. Pelo contrário, é imprescindível uma disponibilidade física e mental para se manter atento, que a tensão não permite. A tensão bloqueia o fluxo da energia que deve estar disponível para o jogo e cria alterações corporais no manipulador que pré-desenham o gesto, atraindo o olhar da platéia. Mas, ainda que haja uma distribuição dessa atenção, em relação à função de ator, o ator-manipulador precisa de uma atenção especial ao objeto (boneco), algo como o que Caroline Holanda[3] chama de “escuta do objeto”, o corpo e os sentidos voltados à atuação com o boneco, à manipulação. Um envolvimento configurado pela atenção, concentração e convicção na vida do boneco, aberto às disponibilidades e possibilidades do mesmo. Essa postura informa ao público as marcas de vida do boneco, afirma a animação. Escutar o objeto contribui para a neutralidade do ator-manipulador, levando-o ao que Paulo Balardim[4] chama de estado contemplativo, ao se colocar a serviço do objeto, escutando as “leis” daquele objeto para encontrar pontos de atuação sem desperdícios de energia. Ocorre, então, um estar disponível às informações lançadas pelo boneco para usá-las, ou não, no processo de criação da animação. Não um estar passivo, mas uma junção de potencialidades, uma troca de informações entre ator-manipulador e boneco para a composição cinética e dramatúrgica da encenação.
            Balardim afirma que a emoção do ator em cena ecoa no público através do mimetismo; o público projeta-se na emoção revelada do ator. Logo, é necessária, no ator-manipulador, uma busca permanente de um estado de neutralidade, que além de evitar “roubar” o olhar do expectador pelo movimento ou pela demonstração da emoção no próprio corpo e reforçar que a importância da cena, naquele momento, está no boneco, tece uma linha de comunicação entre ator-manipulador e boneco. Instala-se uma “conversa” entre ambos, iniciada na escuta do objeto, que permite ao ator-manipulador, abrindo sua percepção, entender a “fala” do boneco, suas possibilidades expressivas, reações, etc, que fluidifica pelo estado de neutralidade a que o ator-manipulador se permite e retorna ao boneco pela energia empregada para dar-lhe movimento qualificado.
            A neutralidade do ator-manipulador pode ocorrer ele estando visível ou não ao expectador. Concordo com Balardim quando ele diz que “a neutralidade talvez seja a palavra-chave para uma boa manipulação, pois ela é a base de todo um mecanismo psicológico acionado pelo ator-manipulador que irá sobrecair sobre o público[5]. Nesse estado, o ator-manipulador não está no nível do seu corpo cotidiano, representa a própria ausência, e, estando visível, uma ausência presente, ou, como diz Caroline Holanda, uma não-presença. Isto é comum no teatro de animação com manipulador visível, influenciados pelos teatros orientais. Esse corpo em ausência presente Eugênio Barba[6] chamou de Corpo Fictício. O corpo que se compromete com uma área “fictícia” que não representa uma ficção, mas que simula uma espécie de transformação do corpo cotidiano no nível pré-expressivo.
            Assim, presente em cena, o ator-manipulador, pode ir da discrição total, neutralidade máxima possível, até ao ser um personagem que manipula outro personagem (boneco), e que compartilha uma parte do corpo com esse personagem, ou algo mais complexo e visível e presente na cena que isso. Caroline Holanda, na sua dissertação, com reflexões sobre o trabalho do ator-animador, categoriza algumas maneiras da presença do ator com o objeto. O ator-manipulador do In Bust não estaciona em um, mas transita pelos aspectos dessa categorização, pois considero, nas encenações do grupo, que os personagens dos atores sejam Animadores – a Família nordestina do Fio de Pão está lá para uma encenação de teatro de bonecos; as Crianças brincando de sucata no Os 12 Trabalhos de Hercules; os Cantadores de causos do Curupira; os Promesseiros do Tem Boneco no Cortejo; as Árvores do E aí, Macaco; os Cenários do Garça Dourada; A Trupe do Catolé e Caraminguás - parte da sua atuação é nessa função. Considero que os personagens dos bonecos tem características dos personagens dos atores, sendo Co-presentes por alternância em determinados momentos da encenação, pois, na dramaturgia quase sempre são criados por estes e reagem a determinados estímulos da cena como extensão ou subterfúgio à reação que seria do personagem do ator, quase um alter-ego. Mas é como Contraparte que mais se enquadra o ator-manipulador do In Bust, ele será, via de regra, um personagem dividindo a cena com o boneco.


A pré-expressividade atuante, o Corpo Fictício do Personagem

No In Bust há um ir e vir permanente ao estado da neutralidade, ao corpo fictício. Porém, não há uma representação da ausência do ator, mas uma representação da ausência do personagem. O Personagem do ator, enquanto forma - com figurino, maquiagem, alguma característica física que o marque – é que permanecerá ausente para que o personagem do boneco se estabeleça como foco principal.
Contudo, talvez esteja diante de uma dúvida (impasse, não categorização) surgida da reflexão. Na ausência presente, necessária à animação, postura adequada para que os personagens do ator e do boneco apareçam na hora certa, mesmo que seja ao mesmo tempo – uma partitura cênica, um seqüenciamento de movimentos e neutralidades, com variações de duração que dependem do que vai ser mostrado – o corpo fictício, esse estado neutral, não se mantém no nível pré-expressivo básico. Pelo menos não totalmente. Ainda que o manipulador (personagem do ator-manipulador) esteja na representação da sua ausência, está ao mesmo tempo em expressão. Está manipulando um boneco (objeto), fazendo-o se expressar através da sua energia. Penso, assim, que se o nível pré-expressivo está na base de várias técnicas de atuação e atua como um nível operativo de prontidão cênica, seu objetivo, o bios da ação, é canalizado para que apenas uma parte do corpo esteja em expressão.
Diz Nini Beltrame: “O ator-titeriteiro cria a personagem, mas depois “se abandona” para coabitar harmoniosamente com ela em um espaço de tempo determinado. Por isso é possível afirmar que o títere é a extensão do seu corpo” (Valmor Nini Beltrame, A arte do ator-titeriteiro). Acredito que Nini esteja tratando do que chamo aqui da função do manipulador, mas a idéia de coabitar harmoniosamente um personagem, como citei antes, cabe também ao atuador do In Bust, porém, um coabitar harmoniosamente entre personagens que partilham o mesmo bios cênico, o mesmo operador.
Detecto a neutralidade do ator-manipulador aqui em foco, como um corpo fictício do personagem. Não é o corpo cotidiano do ator, porque este nunca aparece na encenação. Nem é o corpo imaginário do personagem – ainda que presente, ele não está mais em expressão. Também não se trata de uma não presença, ou da representação da ausência do ator, pois é o personagem que está ali. No entanto, há um corpo extra-cotidiano, parado em sua quase totalidade, formatado como personagem, manifestando-se por uma de suas partes, calçado por um objeto figurativo que representa outro personagem.


FONTES

Jurkowski, Henryk
MÉTAMORPHOSES La Merionnette au XX Siécle / Éditions Institut International de la Marionnette – Charleville-Mézières, 2000 – Tradução de Eliane Lisboa, Gisele Lamb, Kátia de Arruda.

Cavalcante, Caroline Maria Holanda
A Interpretação Com o Objeto: reflexões sobre o trabalho do ator-animador, Universidade do Estado de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Mestrado em Teatro – Florianópolis-SC, 2008.

Parente, José
O Papel do ator no teatro de animação, pg 106-117.
Moreti, Maria de Fátima de Souza
O Ator no teatro de Tadeusz Kantor, pg 148-166
Móin-Móin: Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do Sul : SCAR/UDESC, ano 1, v. 1, 2005.

Balardim, Paulo
Relações de vida e morte no teatro de animação – Porto Alegre: Edição do Autor, 2004.

Pavis, Patrice
Dicionário de teatro – São Paulo. Perspectiva, 1999

Barba, Eugênio; Savarese, Nicola
A Arte Secreta do Ator, Dicionário de Antropologia Teatral. Editoras Hucitec e Unicamp



[1] Tadeuz Kantor preferia trabalhar com não atores, pessoas sem experiência ou algum trabalho de construção de personagem, o que levava a uma representação de si mesmo.
[2] Henryk Jurkowski, MÉTAMORPHOSES La Merionnette au XX Siécle.
[3] Caroline Maria Holanda Cavalcante – A Interpretação Com o Objeto: reflexões sobre o trabalho do ator-animador
[4] Noções de vida e morte no teatro de animação, Paulo Balardim.
[5] Idem.
[6] A Arte Secreta do Ator, Dicionário de Antropologia Teatral.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O pós-eu-mundo (12° Encontro - Trajetórias do Ser)

Neste encontro eu tive função específica, fui o comentador. A apresentação foi do Leandro Haik. Então, como preferi fazer uma apresentação das conexões que estabeleci no contato com a fala da Maria Lúcia Pupo, O Pós-Dramático e a Pedagogia Teatral, coloco aqui o que apresentei lá:

 
COMENTÁRIOS

Antes de entrar no tema é preciso conectar um pouco com o conceito de teatro pós-dramático.
Pincei alguns trechos do Benedito Nunes ao tratar do tempo na narrativa, porque acredito que o Lehmann, conceituador do teatro pós-dramático, vai num raciocínio semelhante quando desconsidera o teatro épico como ruptura. E porque entendo que o tempo é uma particula pouco necessária no pós-dramático.
 
"O épico e o dramático se aproximam do ponto de vista do tempo, por que ambos, dentro da diferença modal que os distingue, nos colocam sempre diante de eventos, relativamente aos quais, como agentes ou pacientes, os personagens da obra se situam. Esse teor objetivo, que lhes é comum, separa-os da lírica, inconcebível sem a tonalidade afetiva, que incorpora as vivências de um Eu ; e sem o ritmo, que incorpora as vivências ao livre jogo das significações, graças ao qual se opera o retorno reflexivo da linguagem sobre si mesma."
(Benedito Nunes, O Tempo na Narrativa)
 
"No dramático e no épico, o tempo vem normalmente associado à “fluidez da corrente da ação” , sendo portanto, inseparável dos acontecimentos que o preenchem."
(Idem)
 

O Teatro pós-dramático
"Dramático, para Lehmann, é todo teatro baseado num texto com fábula, em que a cena teatral serve de suporte a um mundo ficcional.... Com esse conceito de drama que reúne Eurípedes, Molière, Ibsen e Brecht, o teatro épico não poderia ser considerado um salto, porque nele os deslocamentos da dinâmica interpessoal – por meio de coros, apartes, narrativas, etc. – não chegariam a subverter a vivência ficcional."
(Sérgio de Carvalho, Apresentação do livro “Teatro pós-dramático” de Hans-Thies Lehmann)
  
"O teatro pós- dramático é essencialmente (mas não exclussivamente) ligado ao campo teatral experimental e disposto a correr riscos artísticos. (...) Na ênfase em formas teatrais experimentais não está implicando um juízo de qualidade: trata-se da análise de uma idéia de teatro diferenciado, não da apreciação de empreendimentos artísticos individuais. (...)Trata-se aqui de um teatro especialmente arriscado, porque rompe as com muitas convenções. Os textos não correspondem as espectativas com quais as pessoas costumam encarar textos dramáticos. Muitas vezes é difícil até mesmo descobrir um sentido, um significado coerente da representação. As imagens não são ilustrações de uma fábula. Esse trabalho teatral é essencialmente experimental, persistindo na busca de novas combinações ou junções de modos de trabalho, instituições, lugares, estruturas e pessoas."
(Teatro Pós-Dramático, Hans-Thies Lehmann)
 
 
Aí eu ousadamente faço uma tentativa de tornar didática a apresentação de algumas características do teatro pós-dramático, sem no entanto acreditar que elas caracterizem uma obra como tal, mas dão pistas de um possível enquadramento.
Divido assim: 

A narrativa 
  • O Pós-dramático transgride os gêneros.
  • Perspectivas para além do drama.
  • A medição do sentido não é prioritária.
  • Não há fábula ou é relegada a um 2º plano.
  • Nega-se a mimese.
 
A encenação
 
  • O acontecimento cênico é pura presentificação do teatro
  • A recusa da síntese
  • Abundância simultânea de signos (espelho da confusão da experiência real cotidiana), cuja fratura pode se alargar até a ausência total de relação entre eles. 
  • Evidencia o não acabamento da percepção 
  • Teatro afirmado mais enquanto processo do que como resultado acabado. 
  • O caráter fragmentado é tornado consciente
 
O ator
 
  • Recusa a personificação. 
  • Não conta através de gestos tal ou tal emoção, mas se manifesta por sua presença, que se inscreve na história coletiva. 
  • Como um performer, se manifesta em seu próprio nome, encena seu próprio eu.
 
A platéia
 
  • Uma transformação da percepção da platéia é convocada. O desconforto da cena pós-dramática, muitas vezes aparente no espectador, acarreta potencial para emergir interrogações. 
  • O espectador vê a irrupção do real no jogo e seu estado estável de espectador questionado “enquanto comportamento social inocente e não problemático” . Uma mudança de atitude radical é solicitada. Ele tem que tecer relações, criar elos, assim, alargar percepções.
  
Conexão com a cena (da minha função específica de comentador)
 
Talvez o espetáculo (que eu tenha visto) que mais chegue perto a uma estrutura pós-dramática seja o “Sombra a L’ombre”, Nando Lima, 1995. (Houve um espetáculo semelhante em 2002, também do Nando, o “Leve Barato”)
 Gera uma compreensão para além do drama. Não há fábula. Muitos elementos compõem a encenação e não há uma narrativa conjunta – quando narram, o fazem concomitantemente, sem uma conexão lógica e/ou cronológica. Há uma abundância de signos, sem hierarquização de imagens ou de qualquer elemento. Mesmo o ator, muito presente, é apenas sombra.
 
O que ocorre é um compartilhamento da experiência cênica com o expectador, que sai sem respostas ás muitas conexões subjetivas a que é submetido (se estiver disposto), sai com sensações comparativas das suas próprias experiências. O processo do ato, a produção da ação, é o que é visto. A platéia é levada, é solicitada, a uma nova percepção do fazer teatro.
Porém, não tenho certeza da categorização no pós-dramático, talvez boa parte da obra do Nando Lima esteja nesse gênero. Poderia citar algumas obras do grupo Cena Aberta, dirigido por Luiz Otávio Barata, pela ruptura com a fábula, o trabalho com não atores, relação profunda com a platéia, mas que também não teria certeza.
  
Sobre o Texto de Maria Lúcia Pupo
 
Ela levanta alguns questionamentos sobre a maneira como elabora uma pedagogia para o teatro pós-dramático:

  • Haveria procedimentos específicos que chegassem a configurar a pedagogia para uma cena pós-dramática?
  •  Ao professor (educador (?) teatral, pedagogo teatral (?)) é solicitado a capacidade de leitura da cena pós-dramática, para a disponibilidade de uma nova percepção. Condição indispensável, essa de percepção ampliada, ao coordenador de processos de aprendizagem teatral.
 Aí está o primeiro aspecto da confluência Pós-dramático/pedagogia teatral, que é no que o espectador desse teatro precisa ter como ferramenta, a ampliação da percepção. Talvez seja nisso que a pedagogia teatral precise se basear para tratar do pós-dramático
 
  • Caberia, então, recortar, dentro das reflexões sistematizadas sobre a aprendizagem artística, uma pedagogia, ou mesmo uma didática específica que viesse a dar conta do fenômeno pós-dramático?
Não creio. Não há fórmula, há processo.
O processo de construção do Eu-Mundo pode ter sido uma aplicação do Teatro pós-dramático à pedagogia teatral. Ou uma maneira didática de fazer compreender o pós-dramático num processo pedagógico, desde a primeira solicitação da Wlad de nos mantermos atentos, numa escuta de todos os sentidos, sendo ao mesmo tempo aluno-participante, disposto a se fazer presente na aula como no jogo, disposto a lançar-se ao experimento-aula, e, ao mesmo tempo, observador crítico de si, do outro (aluno, jogador, professora, expositor), do todo.
Adiante, de posse de informações aparentemente isoladas, prescritas nos textos apresentados nos seminários, com devida conexão com a produção cênica local e debate aberto para toda e qualquer conexão relacionada, o conteúdo abrange aspectos diversos do conhecimento da abordagem teatral, da leitura às múltiplas concepções artística, da percepção do espectador à criação do personagem. Tudo isso, subjetivamente inserido nos exercícios do eu-mundo. Tudo posto de maneira a cruzarem-se as experiências sensoriais da formação do conhecimento corporal, necessariamente entremeados de elaborações psíquicas, de cada um que atua (nós, alunos) com o desafio proposto de sua transmissão em formato teatral, sem a obrigação da fabulação, resultados ao disparo da encenação no sábado, 19.
 
Então, entendo que o “Eu-Mundo”, a apresentação, está relacionado à estrutura pós-dramática empregada no ato das performances ocorrendo concomitantes. Ainda que eventualmente, um ou outro, tenha colocado uma cronologia, um enredo, uma fábula, na sua encenação, ao passo que se realizam ao mesmo tempo, configuraram uma narrativa sem encadeamento, a não ser o proposto pela subjetividade de quem assistiu. O espectador foi colocado num espaço teatral rompido, cujas linhas fronteiriças estvam estabelecidas em desacordo e cada novo código posto em cena poderia desfazer o anterior. Apenas ele, convocado a dispor das suas próprias experiências, foi senhor de uma lógica - ou foi levado pelos estímulos das encenações (sons, luz, textos, imagens), associando-as a partir deles, ou a construiu aleatoriamente, por qualquer outro critério – cujas correspondências foram atribuídas pela necessidade de uma organização sensorial.
 
 Para acabar, cito a Pupo, que na verdade, pelo que entendi, traduz o que eu disse acima: 
"... aquilo que muitas vezes é vivido como simples exercício ou imprecisa experimentação traz em si o germe de modalidades estéticas, qualificáveis como manifestações de um teatro pós-dramático."
(Maria Lúcia de Souza Barros Pupo; O pós-dramático e a pedagogia teatral. p.227.)
 
ps.: as imagens são dos espetáculos citados. Tem mais no espacelive do Nando. É só linkar (verbo novo)!

Comunicação com o invisível eu-mundo (12° Encontro - Trajetórias do Ser)

Depois de discutirmos tanta tecnologia ligada as novas formas do fazer teatral, ou de como as tecnologias vão se inserido ao teatro e de como o teatro vai se apropriando delas; depois de tratarmos do ator atento à contemporaneidade, aos multiplos estímulos da era mundializada e da virtualidade; depois de vermos quantos o ator pode ser, ou quantas possibilidades de atuação ele pode lançar mão; depois disso e de ver o quanto nós realmente estamos diante de um esmero oculto à compreensão dos nossos sentidos, ficamos diante de tratar da "Canalização". Assunto que nos remete ao espiritualismo, ao movimento da "Nova Era" e também à canalices e charlatanismos. Mas não é disso que trataremos aqui.
Aqui eu falo de conexões e de disponibilidade. Acredito demais nas dimensões que correm paralelas a esta que estamos inseridos. Planos e sobre-planos e sub-planos, órbitas de energias que passam por nós, nos tocam e nos atravessam, por vezes, agem através de nós e nós através delas. Energias, sutilezas, dados, o que for, algo nos conecta, não apenas um com o outro, mas com objetos, outros seres vivos, antepassados. Mas nem sempre estamos atentos, nem sempre estamos disponíveis e a grande maioria das pessoas nem acredita nisso, portanto, nem sempre estamos abertos a isso. Mas somos canal para isso, quer dizer, podemos ser. Podemos ser um meio, um médium, uma mídia, depende de como tratamos o assunto.

Poderia falar disso ocorrendo em momentos cotidianos, em casa, na aula, na rua, mas não é o caso aqui. Aqui tratamos do fazer teatral. Nas salas de ensaio, somos arrebatados por manifestações novas a cada momento de entrega ao processo de criação. Quanto maior a intrega, tanto será o arrebatamento. No Palco não é diferente quando o aquecimento foi eficiente e o jogo está ativado.  Da atenção, que podemos chamar de "escuta do todo", a recepção dessa comunicação invisível é parte, sim, crença, mas talvez funcione apenas como instrumental do ator com presença cênica, disposto ao jogo e com a atenção distribuída. Talvez vire técnica e a comunicação ocorra.
A utuilização consciente é que torna o ator um canal. No dia a dia, talvez a consciencia não seja necessária e talvez nem no ensaio, para o ator. No palco, torna a atuação mais pulsante, puxa a platéia pra dentro, unifica a obra.
Uma amiga, Veronica Gerchman, da Cia Truks, quando é arrebatada por uma ação inesperada do boneco que ela manipula com mais duas pessoas, diz: "Passou um anjo!"
Não descarto, claro, a hipótese de ser maluco, seria ingenuidade se o fizesse, e se não fosse, não brigava diariamente pela sobrevivência fazendo teatro.

Walace apresentou o tema e a Deliane Lima comentou. Pareciam nervosos, mas foram eficientes o suficiente pra instigar o debate que se seguiu.

O dever a seguir foi apresentar o roteiro-objeto para quem não tinha feito ainda e, para quem quisesse, começar a trabalhar a sua encenação do Eu-mundo. Eu não tinha apresentado ainda e o que levei não estava completo. Não tenho imagens do que fiz. Nesse momento o meu roteiro-objeto já está completo, mas está com a Wlad. Porém o roteiro escrito, que baseou o objeto já está postado aqui, na página Eu-mundo.

Ator "reconstituído" (11° Encontro - Trajetórias do Ser)

O ator, não é ele aquele que diz ser outro? que tem máscaras, maquiagens, muitas indumentárias para não ser ele mesmo? Será ele, então, sempre, ainda que pareça outros? Não diz palavras com verdades e nuances, cores e profundidades, que não são suas? Mesmo que seja ele mesmo e vista as suas roupas e diga palavras suas, não será tudo mentira? tudo o que parece sentir ali não é reinvento das minucias do tal sentimento? Então, esse não é ator, o outro é? O que faz, o que finge, o que não faz e nem finge?
Não consigo entender qual deles, atores, está errado. Qual não serve mais a esse tempo, se estamos diante de uma discussão em torno de uma nova dramaturgia, que não foge à certeza da diversidade de falas nessa contemporaneidade? Entendo que sem ele não há teatro. Com ele constrói-se a obra teatral e é ele o responsável pelo levantamento da obra ao vivo. A obra pode determinar que tipo lhe serve, qual maneira será usada naquela elaboração.

Máira Tupinambá mostrou o tema proposto no texto (Da Interpretação, do livro O Teatro, Em Suma, de Fersen) e o Ícaro Gaia comentou colocando momentos da sua própria trajetóri. Já disse antes, gosto disso.
Na sequência, "brincamos" de feira. Todos expuseram seus roteiros-objeto ao mesmo tempo, para que todos vissem ao mesmo tempo, num passeio pela sala, acho que para termos uma noção do movimento que será na apresentação.

Foi muito dificil pensar o roteiro para o eu-mundo em forma de objeto. Parece que tenho uma dificuldade com a plástica, com a transformação de uma idéia em um objeto. Talvez toda a discussão que tiuvemos em torno do que é arte pode ter contribuido. Enfim, não levei o roteiro-objeto. Quase todos levaram. Levei idéias de cenas, do que eu quero destacar dentro dessa trajetória, que virou meu eu-mundo. Sei que quero a fala da Lucia Santaella, "em constante pesquisa de soluções provisárias", quero o copo de café que tomo toda noite em sala de aula e que a Wlad, na primeira aula, me solicitou cuidado, quero o holocausto, pelo viés da anestesia dos sentidos, polêmico na exposição do Laion, quero o meu desequilíbrio no taxi quando criança, quero a fala da Adhara de que "queria ter dito de verdade isso pro meu pai", quero um texto do blog da Deliane que reinventa a percepção de objetos, quero cantar um tema de amor, pode ser "Paradeiro" do Arnaldo ou algo do Tom Jobim ou do Chico Cézar que não lembro o nome.

A exibição da pele do teatro (10º Encontro - Trajetórias do Ser)

O 10º encontro desta trajetória aconteceu. Achei que pularíamos um dos textos propostos ou juntaríamos dois, pois o encontro anterior foi a abertura do Seminário de Dramaturgia, já postado aqui, logo em baixo deste.

Tratemos da pele política que reveste o teatro. Digo pele porque ele nem sempre está nu e sua pele nem sempre é vista, mas sempre está (esteve e estará) lá. Aparente ou descarado, ou não, consciente, ou não, para quem faz e assiste, é isso que o teatro sempre será: um ato político. Mesmo que não seja engajado, panfletário, que o tema não tenha nada de cunho econômico-social, mesmo que não tenha drama.
Político por ser uma convocação pública, um chamado a todos que estejam dispostos a ir, ou que podem ir. Sim, porque ainda assim, a maioria das convocações é para quem pode pagar. Daí, o teatro de rua estar bem mais desnudo, ao menos com essa parte da pele mais exposta, a parte que permite que todos e qualquer, com vontade, parem pra ver.


Mas há sempre a necessidade da troca, da participação de quem lá estiver presente. Nesse sentido, se todos participam, mesmo que uns falem mais que outros, apareçam mais que outros, o que ocorre é uma reunião, uma assembléia pública, disponibilizada e selecionada pelo assunto. Nesta, todos se veem, se cumprimentam, compartilham o assunto, acatam ou não a opnião posta, discutem e comentam no final. Um chamado ao encontro com outros para tratar determinado enredo. Desta forma, o que ocorre é um saber-se coletivo, um partilhar daquele interesse comum.
Quem será realmente visto nesta assembléia será o elenco, os eleitos, que dominarão o discurso e o desenrolar do tema, pessoas preparadas para cumprir aquela tarefa com gestos, falas, posturas e movimentos adequados e pré-organizados. Naquele momento, representantes de que assiste ante ao enredo que se desenrola.

Posso pensar que a ausência de público a que o teatro foi submetido por determinado tempo seja um desdobramento de uma descrença na política, nos políticos, nas assembléias e câmaras dos representantes políticos. E que em um novo procedimento/posicionamento social, que parece acordar diante da face mascarada da democracia representativa, onde o desejo seja, na verdade, a participação, onde não mais satisfaça se ver representado e sim agente, sujeito de seu ato, o teatro esteja, atualmente, espelhando esse momento, ao menos por aqui. A imersão de territórios de teatro, afirmada no aparecimento de espaços particulares, linguagens específicas, para tal ou tal público, em quantidades menores (não mais grandes teatros, para centenas de pessoas), parece ser a vontade de cada vez mais o público se ver, se sentir participante de uma discussão coletiva.

Bem, a Kátia apresentou bem do jeito dela, com um olhar bastante específico sobre o tema (texto proposto: A exibição das palavras - uma idéia (política) do teatro, de Denis Guénoum). Achei mais interessante expor a própria visão do texto que tentar demonstrar domínio sobre. A Carol Domingues comentou e foi bem direta, colocando exemplos da sua própria trajetória, o que também achei legal, já que tratamos, aqui, de trajetórias.
Seguiu-se o debate, com os mesmos (grilos) falantes de sempre, variando uma ou outra pessoa. Questiono se é falta de leitura do texto proposto (pode ser, pois não gera conexões), ou falta de compreensão do texto (o que não isentaria a participação, pois mesmo o não entendimento gera questões e opniões), ou falta-lhes vivência (pode ser também, mas o debate é um espaço de experienciação, logo a inexperiência pode também ser um instigante), ou será timidez (mas é preciso, então, compreender o espaço que estamos estabelecendo de uma convivência de, pelo menos, 4 anos. E que - sonho romântico - nos formamos também com o conhecimento e experiências dos colegas de turma, não apenas dos professores)?

A Wlad expôs os ajustes no calendário dos nossos futuros encontros (o Seminário de Dramaturgia não estava previsto no nosso caminho) e marcou para um sábado (19/06) a apresentação da elaboração individual do Eu-mundo - resultado cênico de agregamentos sensoriais e intelectuais desta trajetória. Determinou bases para a criação cênica: Um espaço circular, cujo diâmetro teará o tamanho de braços abertos, que poderá ser delimitado por um circulo no chão, paredes, teto, um desses. Cada um deverá mostrar o sua "dança cotidiana" (percurso elaborado num dos trabalhos em sala de aula), poderá usar um objeto luminoso, ou um sonoro, e até três adereços. O figurino será, no mínimo, a roupa que mais gosta (proposta de outro exercício de sala). Solicitou para o próximo encontro um roteiro-objeto, que baseará a criação cênica. Uma obra plástica, composta de partes que representam as cenas que serão desenvolvidas.

Seguimos para o exercício. Eu, que não me fazia presente há uns 3 encontros, motivos colocados nas postagens anteriores, fui convidado a começar algo que a maioria já havia feito: A cadeira vazia. Aquela conversa com alguém que não está presente ali, mas que "está" ali. Foi difícil fugir da cena e fazer uma conversa mesmo, sentí-la, sentir a pessoa presente. Fui e misturei, sem querer, ao conversar com meu irmão, as figuras masculinas da minha família com mais significado para mim: ele mesmo (o meu irmão), meu pai e meu avô paterno. Um papo sereno, coberto de sensações profundas e líricas.
Outros foram depois, mas me tocou profundamente a Adhara conversando com o seu pai. Muitos motivos me fizeram ser tocado por isso, o mais forte é que sou pai de filhas.